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Nefelibatias III

NUVENS


No dia triste o meu coração mais triste que o dia...
Obrigações morais e civis?
Complexidade de deveres, de consequências?
Não, nada...O dia triste, a pouca vontade para tudo...
Nada...

Outros viajam (também viajei), outros estão ao sol
(Também estive ao sol, ou supus que estive),
Todos têm razão, ou vida, ou ignorância simétrica,
Vaidade, alegria e sociabilidade,
E emigram para voltar, ou para não voltar,
Em navios que os transportam simplesmente.
Não sentem o que há de morte em toda a partida,
De mistério em toda a chegada,
De horrível em todo o novo...
Não sentem: por isso são deputados e financeiros,
Dançam e são empregados no comércio,
Vão a todos os teatros e conhecem gente...
Não sentem: para que haveriam de sentir?

Gado vestido dos currais dos Deuses,
Deixá-lo passar engrinaldado para o sacrifício
Sob o sol, alacre, vivo, contente de sentir-se...
Deixai-o passar, mas ai, vou com ele sem grinalda
Para o mesmo destino!
Vou com ele sem o sol que sinto, sem a vida que tenho,
Vou com ele sem desconhecer...

No dia triste o meu coração mais triste que o dia...
No dia triste todos os dias...
No dia tão triste...


Álvaro de Campos

(Specialthanks à Clara Umbra)


É por estas e por outras que eu gosto das primeiras do Janeiro.

domingo

segunda-feira

Curta de Turner


Há um corpo que envolve todo o conjunto do mundo, e pode-se representá-lo de forma circular porque é esta a forma do Todo... Imagine-se agora que sob o círculo deste corpo estão os trinta e seis decanos, no centro entre o círculo total e o círculo do zodíaco, separando estes dois círculos e por assim dizer delimi­tando o zodíaco, que andam ao longo do zodíaco juntamente com os planetas... As mudanças dos reis, a sublevação das cidades, a carestia, a peste, o refluxo dos mares, os terramotos, nada disto tudo tem lugar sem a influência dos decanos...
(Corpus Hermeticum, Stobaeus, excerptum VI)




"Mas qual sabedoria?"
“Apercebe-se de como foi grande a época entre os séculos II e III depois de Cristo? Não pelos fastos do império, em dec1ínio, mas sim pelo que entretanto estava a florescer na bacia mediterrânica. Em Roma os preto­rianos massacravam os seus imperadores, e no Mediterrâneo florescia a época de Apuleio, dos mistérios de Ísis, do grande retorno da espirituali­dade que foram o neoplatonismo, a gnose... Bons tempos esses, em que os cristãos ainda não tinham tomado o poder e mandado para a morte os hereges. O mundo estava cheio de maravilho­sas correspondências, de semelhanças subtis, era preciso penetrá-las, deixar-se penetrar por elas, através do sonho, do oráculo, da magia, que permite agir sobre a natureza e sobre as suas forças movendo o seme­lhante com o semelhante. A sapiência é inexpugnável, volátil, foge a todas as medidas. É por isso que naquela época o deus vencedor foi Hermes, inventor de todas as astúcias, deus das encruzilhadas e dos ladrões, mas também artífice da escrita, arte da evasão e da diferença, da navegação, que leva ao fim de todas as fronteiras, em que tudo se confunde no horizonte, das gruas para elevar as pedras do solo, e das armas, que transformam a vida em morte, e das bombas de água, que fazem levitar a matéria pesada, da filosofia que ilude e engana...”

Umberto Eco
O Pêndulo de Foucault