terça-feira

Música para Amanhã


Para você ganhar belíssimo Ano Novo

cor do arco-íris, ou da cor da sua paz

Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido (mal vivido talvez ou sem sentido)

Para você ganhar um ano não apenas pintado de novo

remendado às carreiras, mas novo nas sementinhas do vir-a-ser

novo até no coração das coisas menos percebidas (a começar pelo seu interior)

novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,

mas com ele se come, se passeia, se ama,

se compreende, se trabalha

Você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita

não precisa expedir nem receber mensagens

( planta recebe mensagens? passa telegramas?)

Não precisa fazer lista de boas intenções para arquivá-las na gaveta.

Não precisa chorar arrependido pelas besteiras consumidas

nem parvamente acreditar que por decreto de esperança

a partir de janeiro as coisas mudem e seja tudo claridade

recompensa,justiça entre os homens e as nações

liberdade com cheiro e gosto de pão matinal

direitos respeitados, começando pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo que mereça este nome

você, meu caro

tem de merecê-lo

tem de fazê-lo novo

eu sei que não é fácil, mas tente

experimente, consciente.

É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira


Toda a gente quer compreender a arte . Porque não tentam compreender as canções de um pássaro? Porque razão se ama a noite, as flores, tudo em nosso redor, sem que o queiramos compreender a toda a força? Um artista cria porque tem que criar, ele próprio é apenas um pedacinho insignificante do mundo e não lhe deve ser concedida mais atenção do que a muitas outras coisas que nos proporcionam alegria no mundo, embora não as consigamos explicar .
Pablo Picasso






Living History


No princípio era a Rádio. Depois, veio o Video que killed the radio star. Agora, o Youtube mata a video star.

sábado

Inverno




É com as vozes que o silêncio ganha.
Herberto Helder ( Teoria sentada)

quinta-feira

Colaborações


Um pouco mais de sol – eu era brasa.
Um pouco mais de azul – eu era além.
Mário de Sá-Carneiro, «Quase»




Os círculos apertam-se contra a rigidez das horas
e eu vejo, concentricamente, que nunca saberei viver.

Tento soerguer-me
aparecer-te na soleira da porta
com a dignidade de quem vai sair de casa
para apanhar as flores vermelhas das romãzeiras
(e tas trazer, como quem devolve à rosa a rosa que há nela)
mas sucumbo perante a lisura da superfície da água
a rugosidade da porta de madeira que acaricio
o espanto de tudo não ser livre.

Perco-me dentro disto que não defino
e que quase era brasa, quase era além
quase astro a incandescer o céu.

Uma aflição ocupa este corpo devoluto.

Os dias pousam na vida sem a tocar, como uma lente,
e a brevidade de todas as coisas
toca-nos com a sua lupa fria.

Margarete Rodrigues

segunda-feira

Curta de Monet


O Homem, Animal Irracional


O homem é um animal irracional, exactamente como os outros. A única diferença é que os outros são animais irracionais simples, o homem é um animal irracional complexo. É esta a conclusão que nos leva a psicologia científica, no seu estado actual de desenvolvimento. O subconsciente, inconsciente, é que dirige e impera, no homem como no animal. A consciência, a razão, o raciocínio são meros espelhos. O homem tem apenas um espelho mais polido que os animais que lhe são inferiores. (...) O homem não sabe mais que os outros animais; sabe menos. Eles sabem o que precisam saber. Nós não.
Fernando Pessoa

terça-feira



A persistência confusa da minha subjectividade objectiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um eléctrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei á secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...
Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-me toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e práctico
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espectáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espectáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose publica que amanhã estudarei.
Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...
O porvir... Sim, o porvir...
Álvaro de Campos (1928)


O Rapaz Que Queria Ser Um Livro


T adormeceu com o desejo de ser um livro.
Um livro… um livro com pernas e olhos e a sorrir, com capa e com folhas que se pudessem ter nas mãos e passear entre os dedos, e letras, e o cheiro das letras e das folhas e as coisas lá dentro… um prado verde dentro de um bosque ainda mais verde de árvores antigas de um meio dia de Junho e caminhos… muitos caminhos da cor da terra que os come e os alimenta e lá ao fundo…lá ao fundo,um muro. Um muro e muito musgo e mais verde em farrapos a cobrir o granito já gasto e quedo, quase escondido, de atalaia atrás de uma velha e frondosa árvore de quem já ninguém lembrava o nome e uma tabuleta que dizia proibida a entrada a quem não andar espantado de existir. Entrou.
Depois, quando acordou, viu que não podia ser um livro, aquele livro. Faltavam-lhe as duas últimas páginas.

quinta-feira



Nós vivemos habitualmente à superfície de nós, ligados ao que é da vida imediata, enredados nas mil futilidades com que se nos enchem os dias. Mas de vez em quando, o abismo da natureza, um livro ou uma música que dos abismos vem, abre-nos aos pés um precipício hiante e tudo se dilui num sentir que está antes e abaixo e mais longe que esse tudo. Há uma harmonia que em nós espera por um som, um acorde, uma palavra, para imediatamente se organizar e envolver-nos. E aí somos verdade para a infinidade dos séculos.
Vergílio Ferreira, ‘Conta-Corrente 3′
(Colecção Particular)

By 'radical,' I understand one who goes too far; by 'conservative,' one who does not go far enough; by 'reactionary,' one who won't go at all.

Woodrow Wilson (1856—1924)

Pequena Canção para a Crise



O crime do rico a lei o cobre,
O Estado esmaga o oprimido.
Não há direitos para o pobre,
Ao rico tudo é permitido.
À opressão não mais sujeitos!
Somos iguais todos os seres.
Não mais deveres sem direitos,
Não mais direitos sem deveres!

Abomináveis na grandeza,
Os reis da mina e da fornalha
Edificaram a riqueza
Sobre o suor de quem trabalha!
Todo o produto de quem sua
A corja rica o recolheu.
Querendo que ela o restitua,
O povo só quer o que é seu!

A Internacional
Paris, 1871

domingo


Quando é que começa a corrida aos bancos?
Quando é que a crise chega à rua?

sábado

E agora algo completamente diferente




O governo manda dizer pelos mass-mérdia que apresentará o Orçamento de Estado para 2009 no dia 14 de Outubro e não no dia 15. Um dia antes do prazo! Soem trompetas e abram-se alas! A minh’alma está parva com tanta esperteza saloia!
Nos entretantos, o senhor presidente da república, que se extasia a mungir vaquinhas e se comove com a visão delas a chegarem-se, ordeiramente e uma a uma para a ordenha, inaugura uma escola primária em Alfandega da Fé. Deo Gratias!

Não concebem a história como desenvolvimento livre — de energias livres, que nascem e se integram livremente — diferente da evolução natural, tal como os homens e as associações humanas são diferentes das moléculas e dos agregados de moléculas. Não aprendem que a liberdade é a força imanente da história, que rebenta todo esquema preestabelecido. Os filisteus do socialismo reduziram a doutrina socialista a um esfregão do pensamente, emporcalharam-na e enfurecem-se contra quem, na sua opinião, não a respeita.
Gramsci


Não sei quantos seremos, mas que importa?!
Um só que fosse, e já valia a pena.
Aqui, no mundo, alguém que se condena
A não ser conivente
Na farsa do presente
Posta em cena!

Não podemos mudar a hora da chegada,
Nem talvez a mais certa,
A da partida.
Mas podemos fazer a descoberta
Do que presta
E não presta
Nesta vida.

E o que não presta é isto, esta mentira
Quotidiana.
Esta comédia desumana
E triste,
Que cobre de soturna maldição
A própria indignação
Que lhe resiste.

Miguel Torga

terça-feira

segunda-feira



"Acredito que haja uma terra distante onde resida a esperança de nós todos e para ela experimento todos os símbolos, secretamente, como o ladrão experimenta mil chaves para abrir um cofre vazio"

Cruzeiro Seixas

terça-feira

Santuário da Srª dos Remédios
Lamego


"E farás soar a voz do shofar aos dez dias do sétimo mês; no dia das expiações fareis soar o shofar em toda a vossa terra (...) E proclamareis liberdade em toda a terra, para todos os seus moradores." (Levítico, 25)

segunda-feira






Santuário da Srª dos Remédios
Lamego

domingo

sábado

Santuário da Srª dos Remédios
Lamego


A Tirania Intelectual do Número

A tirania intelectual do número pode tornar-se tão torturante como a dos monarcas; em alguns estados americanos o conhecimento acima de um certo limite já é considerado coisa perigosa. A desconfiança que a democracia tem da individualidade decorre da teoria da igualdade; desde que todos são iguais, basta a contagem dos narizes para a descoberta da verdade ou a santificação de um costume. E a democracia não é apenas uma filha da era da máquina que governa por meio de «máquinas»; ainda encerra em si a potencialidade da mais terrível das máquinas - a compulsão dos ignorantes contra a diferença, contra tudo o que corrói a tradição. Em parte nenhuma do mundo a educação está mais própriamente dotada e aparelhada do que na América - e em parte nenhuma a educação é menos honrada e usada. Inundamos o país de escolas, cursos superiores, universidades - e agora que todos se educam a democracia não permite que a educação entre na máquina do governo.

Will Durant, 'Filosofia da Vida'

sexta-feira




Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de longe a abstracta linha

O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esp'rança e da vontade,

Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte

-Os beijos merecidos da Verdade.
Fernando Pessoa, Mensagem

quarta-feira

terça-feira


"Ah, não há saudades mais dolorosas do que as das coisas que nunca foram!"

Bernardo Soares - Livro do Desassossego

sábado

Teoria do Achismo


Eu acho que nós, os portugueses, ainda não demos bem conta do que é que nos está a acontecer.
A que gente é que a gente honrada entregou a vara do mando. A que abismo (s) é que ansiamos na idiotia em que fenecemos.

quinta-feira


Pablo Picasso - Banhista


Perseguir o absoluto, não é mais que uma escolha, um lugar no anfiteatro das possibilidades que se nos deparam no espectáculo do mundo que nos cabe viver. Uma escolha tão válida como outra qualquer. O que fará a sua grandeza ou a sua miséria, são as escolhas que fizermos a seguir.



É muito difícil que não sendo honrados os principais cidadãos de um estado, os outros queiram ser homens de bem; que aqueles enganem e estes se conformem com ser enganados."

Montesquieu, O Espírito das Leis

quarta-feira


Chamem o Alma-Grande. O país entrou em convulsão e agoniza.

terça-feira



"If we give spirits a form, we become independent."
Pablo Picasso, 1881-1973

Odilon Redon (1840-1916).

sábado

XXI Century Art

sexta-feira

Debaixo das pedras... o vazio?

"Je veux tourner la page de mai 68."
Nicolas Sarkozy, 29 de Abril de 2007










terça-feira



segunda-feira



"Um homem que tem um pente e uma árvore, serve para a poesia"
Manoel de Barros, Matéria de Poesia

domingo





Meu caro senhor:

Acabo de receber a sua carta. Não quero deixar de lhe agradecer a grande e preciosa confiança que esta representa, mas pouco mais posso fazer. Não analisarei a maneira dos seus versos, porque sempre fui alheio a qualquer preocupação crítica. Para penetrar uma obra de arte, nada, aliás, pior do que as palavras da crítica, que apenas conduzem a mal entendidos mais ou menos felizes. Nem tudo se pode apreender ou dizer, como nos querem fazer acreditar. Quase tudo o que acontece é inexprimível e se passa numa região que a palavra jamais atingiu. E nada mais difícil de exprimir do que as obras de arte - seres vivos e secretos cuja vida imortal acompanha a nossa vida efémera.


Rainer Maria Rilke: CARTAS A UM JOVEM POETA

sábado